Maryah C.: Paixão de quinta



Pode acontecer a qualquer hora, num lugar qualquer.

O interesse por ele não foi imediato. Quando o via passando em frente ao guichê todos os dias, e às vezes conversando com alguém por perto, sempre reclamando a distância da noiva que morava em outro estado, por vezes sentia uma ponta de inveja e alguma atração...um homem daquele, fiel e tão carinhoso... e que só apareceu para atestar que as aparências podem enganar, se já não se deixam.

Evitava olhar dentro dos meus olhos, mas deixava um leve sorriso escapar quando me cumprimentava. Sempre.

Não me iludia, ele só estava sendo simpático e legal, ou queria parecer. E conseguia.

O fato é que o conhecendo verdadeiramente, você jamais se deixaria levar. Mas eu me deixava.

Apesar da inversão de ideias e cabeças ao pensar, um invólucro de massa corporal demais com conteúdo de menos, e do ar arrogante despojado, ele não era de nada...apenas um cara carente, procurando não encontrar um amor que o satisfizesse por inteiro, em apenas uma noite.

Era também um clichê: moreno, alto, bonito e sensual, talvez fosse uma solução...

Os encontros eram marcados habitualmente às quintas-feiras, por meio de ligações inusitadas, por vezes perdidas; ou por mensagens, sempre no mesmo tom de desejo convidativo, por vezes não verdadeiro.

Será que ele sentia falta daquilo só às quintas-feiras, ou tinha outras para cada dia da semana? Não importava. Afinal não era um relacionamento, era uma relação. Praticamente um acordo de cavalheiros – o de nos fazer bem. Entendíamos isso perfeitamente e voluntariamente, sem nos envolver.

Sabíamos tudo sobre nós, até o endereço, mas nunca nos visitamos. Ele chegava para buscar , com pontualidade britânica, por volta das 21h. Não muito tempo depois estávamos de volta, como se tivéssemos apenas ido ao cinema, e fossemos nos casar no final do ano.

Fazia parte da mente teatral dele imaginar e elaborar planos, senão promessas impossíveis, nas quais nenhum de nós acreditava. Com ele nada era mentira, nem podia se tornar verdade. O que ele queria era alguém pra lhe escutar, e fazer com ele em silêncio.

Ele não queria ninguém, nem todas. Queria alguém. Poderia ser eu ou você, mas não uma qualquer. Ele queria uma substituta perfeita para aquelas noites.

E teria, se não tivesse tentado substituir a sua predileta por outra hipoteticamente ideal, e ainda insistindo em lhe procurar...

Embora ainda alguns perdurem assim por muito tempo, são casos e acasos, que se tornam prova máxima, nos marcam e fazem pensar em como qualquer paixão pode nos divertir, e só se alteram (ou alternam) os personagens.

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