Querida Tia, de Valérie Perrin

 


Colette foi uma mulher sem história. Pelo menos, era nisso que Agnès, sua sobrinha, acreditava até o dia em que recebe uma ligação da polícia, comunicando o falecimento da tia. Ela é pega de surpresa, afinal, Colette havia sido enterrada três anos antes no cemitério de Gueugnon.

Por ser a parente viva mais próxima, cabe a Agnès voltar à cidadezinha da Borgonha e reconhecer o corpo. Se o óbito da tia for mesmo confirmado, quem estaria enterrada em seu lugar? E por que Colette fingiria a própria morte?

Essas e outras perguntas marcam o início de uma profunda investigação do passado. Com a ajuda de velhos amigos, testemunhas inesperadas e uma misteriosa mala cheia de fitas cassete, Agnès reconstrói a história de sua família, cujo destino está ligado a um circo de horrores, à única sobrevivente de uma família judia exterminada pelos nazistas, aos eventos envolvendo um célebre pianista e um assassino sem escrúpulos, às manobras traiçoeiras de um predador sexual e à paixão desenfreada pelo time de futebol de Gueugnon.

Com a delicadeza e a sagacidade que a consagraram em Água fresca para as flores e Três , Valérie Perrin nos conduz por um emaranhado de histórias e reviravoltas, no qual a capacidade inerente dos personagens de amar e resistir pode suplantar a força do remorso e do medo. Permeada por momentos de ternura e humor, a jornada de Agnès e Colette nos impele a fazer mais uma pergunta: teriam as palavras, escritas ou ditas, o poder de mudar o nosso presente e até nos revelar um outro passado?

Sinopse da editora

"Mas ninguém faz um telefonema desses ao sete anos. Uma ligação dessas pesa toneladas. Aos sete anos, não contamos que um moço autoritário nos machucou, ficamos com vergonha, nos sentimos sujos, porque não fizemos nada para impedir. Não ousamos chorar no colo da mãe, nos calamos. Todos nós conhecemos vítimas, e também predadores. Apertamos a mão deles, perguntamos como eles estão. O silêncio que cerca os algozes e suas presas é vertiginoso."

Tem histórias que só reforçam dentro de mim algo que sempre me acompanhou: é muito mais fácil respeitar alguém quando se leva em conta que todo mundo tem uma história. E acho que nos dias de hoje o que falta é isso: a empatia.

Em Querida Tia, esse sentimento ficou ainda mais reforçado dentro de mim, e também me reforçou o contraponto deste pensamento: que as vezes conhecer a história da pessoa também corrobore para ter ainda mais asco dela.

Nesse post explicarei porquê, mas primeiramente é indispensável trazer uma breve sinopse sobre essa história:

Agnes é uma cineasta respeitada que recebe uma ligação: sua tia é encontrada morta. Mas o problema é que essa mesma tia já morreu 3 anos antes. É então que Agnes descobre que sua tia Colette tinha muito mais segredos do que ela imaginava - segredos esses que vão mudar completamente a sua vida assim que ouvir as fitas que sua tia deixou.

Esse é só um resumo bem básico de toda a intensidade que Valérie Perrin nos traz para as páginas de “Querida Tia”. Diante do novo encontrado por Agnes, a protagonista será lançada para uma versão de sua tia que ela jamais conhecera: de uma mulher respeitada por uma cidade inteira, com uma bagagem que transborda coragem, afeto e bondade, e acima de tudo, passou a enxergar sua tia como uma MULHER, e não só a irmã de seu pai.

Não que Agnes não tivesse respeitado a sua tia em vida, muito pelo contrário. Ela nutria um amor genuíno pela mulher. Mas ao mergulhar em todas as histórias deixadas por ela gravadas em fitas cassetes, a personagem pôde conhecer o lado humano de Colette, com suas falhas e acertos, suas inseguranças e ressignificações. Alguém que decidiu pegar todas as suas experiências ruins e transformar em lição do que NÃO SER na vida. Alguém que permitiu enxergar-se com suas experiências que julgamos serem as mais comuns. Alguém que se enxergou em outras pessoas de diferentes formas, de coração aberto e sem qualquer vaidade.

Como contraponto temos o personagem Soudoro - um homem que vivenciou e sofreu a violência desde muito novo. Mas ao invés de querer eliminar a violência de sua vida, decidiu perpetuá-la em quem quer que fosse. Praticou o mal e disseminou o mesmo medo que sentiu quando pequeno. Decidiu cortar a compaixão de quem pudesse dando continuidade a personalidade do pai. Fez com que mulheres vivessem com medo até o último segundo de suas vidas. E assim deixou marcas pavorosas em vidas inocentes, por onde passou.

O contraponto do respeito por Colette foi o ódio por Soudoro.

O sentimento nutrido por Agnes ao saber de toda a sua história, no fim, foi um giro de 360 - ao mesmo tempo em que muita coisa que ela acreditava mudou, o sentimento continuou o mesmo. Mas não posso me estender aqui para não virar spoiler.

Embora algumas poucas coisas na história tenha me desagradado levemente, toda a bagagem emocional que ele me proporcionou compensou em medidas extraordinárias. Temos também coadjuvantes muito bem construídos, diálogos deliciosos de ler em capítulos curtinhos que devoramos sem sentir o tempo passar. É também uma oportunidade de olhar a violência sob todas as óticas, e se desvincular definitivamente de qualquer pré julgamento que se possa ter em relação à vitimas de violência que não tomam nenhuma atitude.

Vale cada página do seu tempo.


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