Crônica: o homem dromedário

 



Você já parou para analisar o seu entorno em um local público? Um restaurante, uma praça de alimentação de shopping, uma fila de cinema? Quantas pessoas você notou que conversavam entre si, liam um livro quando estavam sozinhas, ou estavam simplesmente curtindo um ócio olhando para o nada? Essa prática quase extinta cedeu o lugar para o inevitável vício do celular, aquele que está criando mentes preguiçosas, corcundas de dromedário, pessoas que mal conversam porque preferem manter a conversa no ambiente on-line ou rolar qualquer feed de mídia social para alimentar a fomo por qualquer coisa ou se sentir ainda mais em estado depressivo por comparação à vida feliz de quem posta felicidade. 

E o homem dromedário, sem ao menos notar, passou para um outro patamar psicosentimental: o das relações rasas. Nenhuma conversa mais parece evoluir se não tiver incluído no assunto memes, virais, entre outros tópicos que só a internet proporciona. Os vídeos curtos criaram uma ansiedade por nada, pois o homem dromedário não tolera mais filmes com mais de uma hora e meia, por mais que ele não tenha mais absolutamente nada para fazer depois disso (até tem, mexer mais um pouquinho no celular até pegar no sono). Aqueles da mesma espécie que ainda conseguem se comunicar falando de seus próprios sentimentos, desabafando sobre a solidão que vivem enquanto ainda habitam a parte mais rasa desse buraco, já são considerados seres estranhos, pois falar sobre vulnerabilidade é constrangedor demais. O homem dromedário não verbaliza vulnerabilidade porque ele é o ser imaculado no âmbito virtual, aquele que arranja brigas por causa da série de TV que ele não tem mais paciência para assistir (aliás, tudo parece ruim demais para prender a sua atenção), que ofende facilmente aquela arroba que ele nunca viu na vida, que se dá muita importância em uma rede social, mas 0 importância devida na sua vida real. Seria um second life, uma nova pandemia ou o novo normal?

Ah a pandemia! Essa que acreditamos cegamente que sairíamos melhores dela, mas a verdade é que criamos uma evolução mais rápida do homem dromedário. Que criou uma sociedade com preguiça de socializar, que se tornou mais inacessível que uma celebridade no auge da carreira. Relações marcadas pelo “vamos marcar de marcar” que nunca marca, que banalizou o “como você está?” sem querer saber mesmo a resposta. A briga de trânsito. As festas barulhentas até tarde da noite. A necessidade de alimentar o “olhar para si” até semear um egoísmo e orgulho exacerbado. 

O homem dromedário evoluiu no tempo na mesma medida que ele também parou nele. Ele está por dentro de tudo o que acontece no mundo, mas se fecha para o que acontece dentro da cabeça do próprio filho, esposa ou amigo. Ele age como um futurista, mas sente como um primata. E assim, passamos por mais uma etapa do homo sapiens, mas caminhando para qual lado? 

Talvez para baixo. Como o calombo que nasceu no início de sua coluna indica.

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