Iatan GM: Tempo


No hospital eles trocaram suas intensas palavras, porém com vozes fracas.
- Você disse que me entendia, mas tu não entende nem um terço de quem eu sou. Tu ouve meus medos, minhas dúvidas, mas no fundo tu não as reconhece. Tu diz que me aceita, mas não aceita. Fala isso só pra eu me sentir bem. Mas a cada mentira tua, mesmo que ingênua,  eu me sinto pior, porque eu não quero uma felicidade superficial. Eu não quero fazer papel de boba, estando feliz na frente de todo mundo por uma razão que não existe. Eu não sou perfeita e nem sou inteligente. Quando tu diz o contrário disso, é porque no fundo tu quer que eu seja o que você espera de mim. Você não me aceita bem como eu sou. Eu não vou mais levantar daqui, eu não vou mais passar por aquela porta contigo, nem vou te receber na minha casa. Isso é um fato e nós já estamos cientes disso. Tolice é dizer que o coração é forte como um diamante. O coração é só um pedaço de vidro que qualquer um quebra fácil, e se a gente se distrai por um momento, a gente mesmo quebra ele sozinho.
O quarto frio de hospital já cheirava morte. No momento em que Melissa parou de falar para tomar fôlego, ouviu os fungados dele, sem achar coragem ou força para olhar em seus olhos para saber se estava ou não chorando.
 - Você não entende a hora que eu preciso do teu abraço. Não entende a hora que eu preciso ficar sozinha. Não entende que quando me calo é porque tem algo errado.
- Mas eu te amo – murmurou.
- Aí que tá o problema, tu afirma que me ama, mas acho que é sem ter certeza. Acho que teu amor é um tiro no escuro.
- Recusei milhões de coisas pelo simples hábito de não aceitar nada diferente. Mas você é diferente. Você é uma bagunça, a maior confusão que já invadiu minha cabeça. - Ele encarou ela com os olhos úmidos. As lágrimas estavam beirando, se preparando pra pular. - Desculpa, se houver algo do qual eu deva me desculpar. – Ele quase implorava por algo que não sabia o que era.
- Você é algo estranho que bagunça meu estômago, que eu não posso simplesmente expelir do meu corpo, nem por vontade, nem por purgante. Você é algo que eu certamente não sei definir ainda. Algo que eu sequer consigo supor com um décimo da certeza necessária que precisamos ter para fazer suposições. Só tu. Talvez tu tenhas sido o motivo de eu ter adiado tantas coisas na minha vida. Os pores do sol na praia. Os banhos de chuva. As neblinas da madrugada. Os jantares em bares refinados da cidade.
- Talvez seja isso que a todo mundo espera durante boa parte da vida. Alguém que nos torne completo, e que ao mesmo tempo possamos completar. Ainda não sei como te completar, mas pelo menos o buraco que há no teu peito eu hei de preencher.
- Não é necessário muito tempo pra que uma pessoa faça parte da vida de outra. É questão de dias, de horas ou de minutos. Só uma questão a ser resolvida de forma inespecífica. Acho que não há tempo para preencher vazio algum dentro de mim. E sim, é uma crueldade não sabermos quanto tempo temos, e por isso acabar desperdiçando a maior parte da vida procurando alguém que nos complete, duvidando de pessoas e errando horrivelmente. Onde você estava? Perdi tanto tempo pra te achar. É detestável a sensação de saber que só tenho mais alguns dias, principalmente logo agora que te encontrei.

Ele saiu do hospital sem uma parte de si. Andou alguns quarteirões com passos largos, até que não aguentou mais e sussurrou olhando pro céu.
- Ainda não tô pronto pra perder.
Nunca foi tão grato a falta de iluminação pública e a cegueira parcial que a noite causava.
Certamente, não era conhecido por muitos, mas não custava nada prevenir a si de um dia encontra alguém que lhe dissesse algo como "me lembro de você, te vi um dia chorando na calçada. Embora tivesse passos apressados, consegui notar que havia alguma coisa errada".
Chorar não é coisa de homem. Pelo menos foi educado assim, claro, nunca nessas palavras, pra ser sincero. Nunca lhe privaram o choro, mas ele sentia que era errado para um homem demonstrar fraqueza. Algo que desde percebeu, ainda quando pequeno, foi o fato de a sociedade prezar a ideia de que os homens precisam, na verdade devem, ser fortes por eles e pelas mulheres. Mulheres, que sim, tem todo direito de demonstrar sentimentalismo, abraçar umas as outras e beijar seus rostos em público. Mulheres que podem chorar livremente, sem precisar se esconder pra fazer isso.Mas algumas vezes o choro se mostra tão sufocante que te rouba o fôlego enquanto não escorre olhos à baixo.
Lembrou-se que em sua adolescência costumava ridicularizar quando via qualquer garotinha chorando na rua, normalmente por conta de namorado. Imagina que não havia nada prudente que justificasse tal vexame, tal postura.
Mas o mundo dá voltas. Ele passava agora por uma situação que ria a alguns anos atrás. Se achar imune a determinada situação, apenas por ser homem e "maduro", foi uma lição que aprendeu ao sentir na própria pele.
Sentou em uma calçada qualquer, enxugou um pouco os olhos.
Deixou seu olhar se perde no vazio das poucas pessoas que por ali passavam. Deixou suas mente sobrevoar, capturando coisas imperceptíveis aos que vivem da pressa. Ali, naquele exato lugar o tempo rastejava. Desejou poder trazer Melissa ao seu encontro, e ali, passar uma longa eternidade de poucos momentos.


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